Contributo de Sílvia Timóteo e Pedro Soares, delegação portuguesa à Conferência Europeia de 2 de novembro de 2024

SITUAÇÃO INTERNACIONAL MARCADA POR GUERRAS SEM FIM E PELA HIPOCRISIA DAS POTÊNCIAS OCIDENTAIS

1. As guerras na Europa e no Médio-Oriente não dão sinais de abrandamento. Pelo contrário, a escalada militar continua, a barbárie, as mortes e a destruição não param, as declarações dos responsáveis políticos do eixo euro-atlântico vão sempre no sentido da guerra, marcadas pela hipocrisia de quem fala na necessidade de cessar-fogo, mas aumenta o fornecimento de armas e o financiamento aos seus aliados. O novo secretário-geral da NATO, Mark Rutte, quer “uma indústria militar transatlântica mais robusta“ porque a organização “tem de ir mais longe e com maior celeridade”. É, igualmente, uma das conclusões do relatório Mario Draghi que, com o argumento de que é preciso ganhar competitividade, preconiza uma economia de guerra para a UE. Os EUA e as potências europeias estão diretamente envolvidas nos conflitos através do apoio político e do envio de meios militares tecnologicamente cada vez mais sofisticados para a Ucrânia e Israel. Os EUA contrapõem ao seu declínio e ao surgimento de outros polos pela disputa mundial a afirmação da sua superioridade militar. A NATO posiciona-se e prepara-se para o conflito pela manutenção da hegemonia global.

2. A condenação inequívoca da Federação Russa pela invasão da Ucrânia não pode justificar uma guerra infinita até à “derrota da Rússia”, como defende Ursula von der Leyen. As afirmações incendiárias de Mark Rutte, que quer dar à Ucrânia autorização para que mísseis de longo alcance de fabrico europeu e norte-americano possam atacar território da Rússia, são perigosas, favorecem a escalada de guerra e o seu alastramento para outras geografias. A política sobre a guerra e a NATO está a ser uma linha demarcatória nas esquerdas europeias. Faz recordar a histórica divisão na época da Primeira Grande guerra, entre os que defendiam a assunção de créditos para participar na guerra e os que rejeitavam esse caminho. O único caminho possível no interesse dos povos é a inversão das lógicas belicistas, a concentração de todos os esforços numa via para paz, com mais diálogo, diplomacia e menos armas. Para este objetivo, a mobilização social contra a guerra e em defesa da promoção da paz torna-se essencial e constitui a forma mais poderosa de confrontar os desígnios das potências imperialistas. Os esforços de mobilização e de iniciativa da Plataforma Contra a Guerra e a Guerra Social são de uma grande importância.

3. No passado dia 7 de outubro assinalou-se o condenável ataque do Hamas contra Israel. Não esquecemos que a história do Médio-Oriente não começou nesse dia. O povo palestiniano é colonizado e vítima de hediondo genocídio desde a Nakba, em 1948, e que a Resolução da ONU n.º 3103, de 1971, lhe confere o direito à insurgência e à luta armada contra o colonialismo.  O que se seguiu não se tratou de um ato de legítima defesa israelita.  Foi (e continua a ser) uma agressão brutal do governo de Netanyahu contra o povo palestiniano, um autêntico genocídio que já tirou a vida de mais de 41500 pessoas na Faixa de Gaza e provocou a deslocação de cerca de dois milhões de pessoas. O apartheid e o ataque constante ao histórico e legítimo direito do povo palestiniano à sua terra alcançou uma escala desumana. O que está em curso é uma política de terra queimada para impedir que se constitua um Estado palestiniano. A ofensiva do governo israelita só é possível com a cumplicidade dos EUA e dos governos da UE.

4. Israel alargou os seus ataques militares ao Líbano, colocou a região à beira de uma guerra com o envolvimento do Irão e da Síria e acrescentou mais sofrimento às populações. Nem a UNIFIL (United Nations Iterim Force in Lebanon) é respeitada e poupada. Há dias, o parlamento israelita catalogou de terrorista a UNRWA, a agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos que presta ajuda à população de Gaza, impedindo-a de continuar o seu trabalho. A arrogância israelita desafia qualquer ideia de direito internacional, mas só o faz porque tem o respaldo norte-americano e dos países ocidentais e está a contar com um certo silêncio de capitais árabes. O exército israelita bombardeia e invade o Líbano, um Estado soberano, mas o Ocidente que se insurgiu contra a invasão da Ucrânia não levanta um dedo de repúdio pela invasão do Líbano, abstém-se de condenar os ataques terroristas dos pagers e walkie-talkies armadilhados e não decreta sanções contra o invasor. A duplicidade de critérios das potências ocidentais é gritante e destrói a retórica habitual sobre a autoridade moral do Ocidente. Os embaixadores de Israel em cada um dos nossos países devem ser chamados pelos respetivos governos para lhes ser dito “go home!”, não queremos relações com governos genocidas.

5. A classe trabalhadora, as sociedades e as economias dos nossos países estão a ser fortemente afetadas por esta vertigem das elites da UE, submetidas aos interesses geoestratégicos dos EUA, pela guerra e pela disputa da hegemonia global. Compreendemos que outros países procurem organizar-se, como no caso dos BRICS, mas não temos exageradas ilusões sobre os resultados para os povos de um mirífico multilateralismo que tem subjacente uma disputa interimperialista. Na atual conjuntura, devemos exigir e juntar forças para que Israel saia da Palestina, Putin sai da Ucrânia e a NATO saia da Europa. A guerra alimenta o conservadorismo, o populismo e a extrema-direita, ataca o direito à igualdade entre géneros, agrava as discriminações racistas e das pessoas LGBTQI+. A exploração laboral e as desigualdades aumentam, os direitos dos trabalhadores, dos imigrantes e da maioria das populações são duramente afetados, com a drenagem de recursos retirados do Estado social para a guerra. A crise climática está a tornar-se cada vez mais grave, com os interesses privados a conduzirem uma política de greenwashing. No entanto, a esquerda tem sofrido nas últimas décadas muitos revezes. Precisamos de uma nova resposta política, forte, polarizadora e mobilizadora, capaz de abranger a classe trabalhadora e os excluídos pela globalização. É urgente afirmar uma política contra a guerra destruidora e a guerra social.

É para isso que aqui estamos.

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